Por Beatriz Luz, fundadora da Exchange 4 Change Brasil –
A pandemia da Covid-19 nos trouxe vários aprendizados: a força do meio ambiente e sua capacidade de regeneração em resposta à parada da produção e à redução significativa das emissões; a interconectividade e interdependência das cadeias produtivas globais; e a capacidade de mobilização de recursos das grandes empresas em engajamento com seus parceiros e com outros setores, visando a investimentos conjuntos diante da urgente necessidade de infraestrutura, tecnologia e recursos humanos para combater um vírus que tirou a vida de tantas pessoas.
Vivemos a COP26, um dos eventos mais importantes do mundo, que reúne lideranças de vários países para tratar do impacto das mudanças climáticas no planeta. A pauta ESG aparece com cada vez mais força na agenda dos investidores, e um número crescente de empresas apresentam compromissos públicos de carbono neutro, net zero e uso de matéria-prima reciclada, além de se reunirem em iniciativas para debater a importância da economia circular. Entretanto, o mundo continua a esquentar, a poluição não diminui, as desigualdades socioeconômicas permanecem em evidência e são inúmeros os desastres ambientais resultantes das práticas atuais de exploração, produção, consumo e planejamento das cidades.
Segundo estudos do pesquisador inglês David Attenborough, ao longo dos seus 93 anos de vida, ele viu a população global crescer de 2,3 bilhões para 7,8 bilhões, e a quantidade de carbono na atmosfera ir de 280 ppm para 415 ppm, deixando nosso planeta com apenas 35% do seu ecossistema natural e vida selvagem restantes. Trata-se de um reflexo direto do processo de produção e consumo que se desenvolveu com base no aumento exponencial da exploração dos recursos naturais. Este modelo, que foi se tornando mais otimizado e tecnológico, pode ter trazido ganhos econômicos às cadeias produtivas, redução de custos, novas fontes de recursos e conveniência para a sociedade moderna, mas deixou um rastro que, antes invisível, traz agora riscos ambientais, sociais e econômicos para as empresas e toda a sociedade.
A inocência acabou. O modelo econômico vigente não garante mais a sobrevivência dos negócios. O diferencial agora não está mais no custo e na qualidade; as empresas precisam mostrar a capacidade de geração de valor ao longo da cadeia. Mas como definir valor?
As corporações se empenham em criar movimentos educativos, dizendo que a educação é a base da transformação. Sem dúvida, a transformação se dá através da inspiração, de exemplos e resultados concretos. Porém, a motivação para a mudança tem que estar na prática, e não na teoria. Metas sem planos de ação e visão de longo prazo são apenas ativos de marketing.
A Eslovênia, pequeno país situado na Europa Central, cem vezes menor do que o Brasil, assumiu em julho de 2021 a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Entre seus objetivos, promete dar prioridade à implementação do Acordo Verde sobre o clima, com compromissos para reverter a dramática perda de biodiversidade, como o investimento na resiliência dos ecossistemas e na bioeconomia, o estabelecimento da ambição de poluição zero para as indústrias, o estímulo à economia circular e a prevenção à geração de resíduos. Por meio de ações concretas, os residentes da capital Liubliana já reduziram a quantidade de resíduos que produzem em 15%.
A cidade tem um Centro de Reúso, que consiste de uma pequena loja e uma oficina que promove o reparo de itens para a sociedade; neste local, cerca de 75 produtos são trocados por dia, 100 produtos são vendidos e outros tantos recolhidos e separados. Pratos e copos biodegradáveis são utilizados em feiras e eventos, mas coletados ao final para serem triturados e preparados para virar compostos. Gestores públicos transformam mobiliários e antigos estofados de trens e ônibus em novas peças, que podem ser doadas ou utilizadas nos próprios prédios públicos. A capital aposta na educação de base para a transformação e destaca a importância de ensinar os jovens sobre empreendedorismo social e economia verde. Campanhas de conscientização ambiental e treinamentos são frequentes, inclusive para os turistas que visitam a cidade. E uma máquina um tanto especial pode ser encontrada na praça central, possibilitando uma venda automática, por autoatendimento, de biodetergentes, xampus e diversos tipos de vinagre e óleo, para clientes que trazem seus próprios recipientes reutilizáveis.
Enquanto isso, no Brasil, nossas campanhas de conscientização se restringem a colocar o cidadão como o único responsável pela coleta seletiva, “adesivar” lixeiras e reiterar que há investimentos para aumentar os índices de reciclagem. No entanto, dados da ABRELPE mostram que ainda não conseguimos dar vazão a ações sistêmicas de reaproveitamento, que incluam propostas que associem governos, empresas e sociedade civil: em um ano, a população cresceu numa taxa de 9%, enquanto a quantidade de resíduos aumentou em 25%.
Está na hora de a sociedade se responsabilizar pela poluição das nossas praias, das indústrias mudarem seu modelo produtivo e se engajarem em ações realmente significativas, e de o governo se colocar como agente de transformação, provendo políticas públicas, incentivos e educação para a população.
A Eslovênia nos mostra exemplos verdadeiramente circulares de uma sociedade que mudou a percepção de valor da produção e do consumo, exibindo resultados concretos de uma governança que promove o trabalho conjunto entre gestores políticos, empresas e cidadãos. Isso valeu à cidade o título de Capital Verde Europeia em 2016.
Esta é uma das inspirações que devemos trazer para o nosso país.
*Beatriz Luz é engenheira química, fundadora da Exchange 4 Change Brasil e diretora do Hub de Economia Circular Brasil, o primeiro hub criado na América Latina para reunir empresas de diversos segmentos e portes em negócios circulares. Também é organizadora dos livros “Economia Circular Holanda-
(#Envolverde)